Brasileiro, indefeso contra desinformação

Silvana Vevelt
By Silvana Vevelt

O brasileiro confia e conta com as mídias sociais como principal fonte de informação e não reconhece desinformação

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou em junho resultados de uma pesquisa chamada Truth Quest (“Busca pela verdade”). O trabalho avaliou a capacidade de identificar notícias falsas ou enganosas em voluntários de 21 países, usando uma metodologia “gamificada”. Participantes usaram um simulador de rede social, para avaliar como pessoas reagem e classificam notícias encontradas nestes ambientes. Ao todo, foram 40.765 respondentes de todo o mundo. Os brasileiros tiveram a pior nota em todos os quesitos.

A capacidade média global de identificar notícias falsas ficou em 60%: de cada dez notícias falsas, seis são desmascaradas. O país que se saiu melhor foi a Finlândia, com 66%. O Brasil, lanterna, ficou com 54%.

A pesquisa também mostrou que as mídias sociais são usadas às vezes como principal fonte de informação, e que existe uma relação inversamente proporcional entre o uso dessas mídias e a capacidade de identificar notícias falsas: os países onde o povo mais depende de mídias sociais para se informar também são aqueles em que o povo mais cai em notícia falsa. Adivinha quem foi o campeão do uso de mídias sociais como fonte? É um pentacampeão mundial de futebol. O Brasil também está em primeiro lugar como o país que mais confia em informações encontradas em mídias sociais.

O Truth Quest classificou a informação em cinco grupos: verdadeira, tirada do contexto, desinformação propriamente dita (notícia falsa fabricada com a intenção de enganar), informação errada (não necessariamente com intenção de enganar), propaganda e sátira.

A informação errada sem intenção de enganar, junto com informações verdadeiras, foram as mais difíceis de identificar corretamente na média dos países. A mais fácil foi a sátira. A capacidade de reconhecer sátira mostrou a maior diferença entre os países, com 82% dos respondentes na Finlândia reconhecendo conteúdo satírico como informação falsa, contra apenas 57% no Brasil.

Conclusão? O brasileiro confia e conta com as mídias sociais como principal fonte de informação, é incompetente para reconhecer desinformação e não tem um senso de ironia desenvolvido. Ironicamente, não se vê assim.

Resultados similares apareceram também na Pesquisa de Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil. Conduzida pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a pesquisa apontou que 80% dos brasileiros acham que sabem identificar notícias falsas. Mas 75% acreditam que o governo deve ouvir os cientistas, resultado celebrado por alguns otimistas como sinal de que a ciência finalmente ocupou seu lugar ao Sol. Mas a mesma pesquisa mostra que 73% concordam que antibióticos combatem vírus e 67% acreditam que “interesses comerciais” estão escondendo curas para o câncer do público. 51% acreditam que signos astrológicos influenciam personalidade, e assustadores 47% concordam total ou parcialmente que algumas vacinas causam autismo.

Os resultados da OCDE põem a nu o estado de miséria do letramento midiático do país. Os do CGEE mostram um grau preocupante de falta de entendimento da ciência, ao lado de uma admiração ideológica por uma figura vaga e indefinida chamada “cientista” .

A pesquisa do CGEE é periódica. Cada vez que sai, há suspiros de alívio porque, afinal, ela mostra que o povo ama a ciência e os cientistas. Mas antes de estourar o champanhe, é preciso contexto: falta uma ideia muito clara do o que o brasileiro entende por ciência, e quem são os cientistas que gostaria de ver aconselhando governos. A resposta, se tomarmos por base as pesquisas recentes, tem uma boa chance de transformar o vinho da festa em vinagre.

 

 

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